quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Participação e Linha de Massas – O trabalho nas Autarquias Locais – Como levar à prática uma linha política de massas

Trata-se de um texto já com alguns meses. É o reflexo da minha experiência no trabalho autarquico no Seixal, em Almada e, actualmente, no Barreiro. Não tem pretensão de ser um texto acabado, isento de erros, de subjectividades. Afinal, sou daqueles que afirma que é da prática que vêm as ideias justas, não esquecendo objectivos estratégicos, antes subordinando a pratica do dia-a-dia a eles. E que é da discussão fraterna, solidária, rigorosa e sem preconceitos que advém a melhor garantia da escolha do caminho a trilhar!


1-Introdução



Antes de se poder desenvolver qualquer orientação concreta, haverá que definir com o máximo rigor o que é que se entende por uma Linha Política de Massas. Tentando encontrar uma resposta, seguramente que incompleta, partirei de alguns atributos e conceitos que julgo terem que estar presentes:



-A libertação dos explorados tem que ser obra dos próprios explorados;

-os partidos políticos só são vanguardas na medida em que sejam capazes de se fundirem com os elementos mais avançados dos explorados e estes considerem a visão revolucionária dos primeiros como a sua própria visão;

-a verdade e a justeza das linhas políticas só são possíveis de serem reconhecidas pela prática;

-o princípio e o fim da nossa actividade política é a transformação revolucionária da sociedade;

-a acção revolucionária desfasada da luta de massas está condenada à derrota;

-o paternalismo e a “revolução” feita por cima condenam igualmente à derrota as revoluções;



Pelos conceitos expostos, uma primeira conclusão é a de que uma linha de massas tem que ter em conta a análise concreta da situação realmente existente, situação esta cuja análise não pode ser só económica ou social mas tem que ter em conta vários factores: quais as contradições em jogo, que aspectos económicos, que aspectos sociais, que aspectos culturais, que aspectos psicológicos, que aspectos políticos imediatos, etc., estão a condicionar a percepção da realidade pelas grandes massas de trabalhadores? Que anseios as atravessam? Enfim, é necessário caracterizar de modo exaustivo a situação concreta naquele preciso momento.



E esta caracterização só é possível na medida em que estejamos mergulhados no seio das massas, ouvindo-as sem preconceitos – muitas vezes ouviremos anseios que traduzem ideias conservadoras, reaccionárias, xenófobas, etc. Mais do que responder, o que deveremos sempre fazer com apelos à inteligência, à solidariedade, etc, há que registar o que pensam as massas, pois só assim é que poderemos chegar ao seu nível de representação da realidade e a partir daí ajudá-las a ultrapassar tais conceitos.

Uma segunda conclusão é a de que poderemos ter as ideias mais justas no abstracto, mas se não formos capazes de ligar essas ideias ao nível de pensamento e de prática política das massas, jamais elas assumirão as nossas ideias como sendo delas.



Uma terceira conclusão é a de que a actividade nas autarquias locais TEM que estar inserida na actividade política geral, TEM que visar o mesmo objectivo táctico e estratégico, tem que ser capaz de fazer crescer a consciência política nas massas cujas políticas municipais são os destinatários, sob pena de não passarmos de meros “funcionários executivos sem ideologia ou projecto político estratégico de transformação da realidade”.



Uma última conclusão é a de que a participação das massas é condição “sine qua non”, para a transformação revolucionária da realidade, porque só com explorados livres de cadeias ideológicas com os exploradores é que as revoluções triunfam. No nosso universo autárquico, é essencial que cada munícipe que seja destinatário da nossa política, sinta que as decisões da sua autarquia são as SUAS decisões, porque não só as compreendeu como PARTICIPOU na sua construção de forma organizada.



2-A Participação dos Munícipes



Várias têm sido as experiências efectuadas em diversos locais do Mundo. No nosso País, as experiências ainda não passam disso mesmo, experiências que “tocam” um universo reduzido de munícipes. Mas que já se começam a generalizar, pelo menos nos Municípios geridos pela CDU.

Existem alguns aspectos a ter em conta: são os relativos ao quadro legal existente, ao processo eleitoral que determina qual o programa a executar, à situação de afastamento face à política que largas camadas da população sentem, resultado da actividade política que a burguesia tem levado a cabo.



No caso concreto de Almada, não podem deixar de serem considerados muito positivos, apesar de limitados, os fóruns de participação do Metro e dos Planos em curso. Limitados porque participados por uma minoria de munícipes, fruto de condições que nos ultrapassam! Mas igualmente limitados pela dificuldade que os temas apresentavam. De facto, não é possível chegar a uma reunião pública de centenas de pessoas sem nada previamente preparado, como não é possível apresentar todas as hipóteses ou alternativas encontradas. Porque são dezenas, centenas! Como não é possível estar-se sempre a partir do zero, nessa atitude tão “portuguesa de “procrastinação”, isto é, “adiar prás calendas” e “quem vier atrás que feche a porta”. Para além dos custos financeiros que tal “para/arranca” provoca. No Barreiro, ao executivo da Câmara leva a cabo um intenso trabalho de proximidade, descentralizando sessões de Câmara, criando espaços regulares de discussão, freguesia a freguesia, ouvindo, debatendo, alterando, etc. No Seixal, em Palmela, etc., etc, o panorama é o mesmo que nos casos precedentes.



Ouvir as pessoas, alterar o que houver a alterar, dar-lhes a medida exacta que a sua opinião conta de facto, mesmo que contrária à de técnicos de prestígio, que nem sempre sabem tudo e, muitas vezes, são pouco humildes para reconhecerem que desconhecem as vivências locais. Nesses actos, todas as opiniões TÊM que valer o mesmo à partida e só após a sua análise séria, descomprometida com soluções previamente encontradas e sem preconceitos, é que se poderão avaliar em toda a sua dimensão.



É pressuposto que toda e qualquer intervenção pública em reuniões com munícipes exige uma preparação adequada. Preparação de quem introduz o ou os temas, preparação adequada de quem intervêm colocando a nossa visão política no tema em causa. Mas preparação que tem que ser indutora de análise séria e profunda, não castradora da iniciativa dos munícipes presentes. Preparação que tem que elevar a discussão. Ora, nem sempre é fácil conseguirmos chegar a esse nível, quer pela nossa impreparação pessoal, quer pela deficiência de debate profundo prévio entre nós próprios.



Alguns falam muito de soluções tipo Orçamento Participativo (OP). Para além da dificuldade óbvia de percorrer todo o concelho, rua a rua, a fim de definir com a população as prioridades face àquele orçamento concreto, dada a inexistência de um movimento de base similar ao que tivemos durante o PREC – Comissões de Moradores, etc., onde fica o Programa Eleitoral escolhido para o período de 4 anos, com as obras concretas propostas? Alguns optam por afirmar que tal OP é só sobre uma pequena parcela do valor total orçamentado. Então, em que fóruns fazer a escolha final, pois para cada rua, para cada lugar, para cada freguesia, o “meu problema é o prioritário”? Como operacionalizar todo este movimento? E, naturalmente, em que tempo? É claro que nunca se chegará a lado algum significativo nas condições existentes! Mas se nalgum recanto existir essa possibilidade, ela não deve ser enjeitada, deve é ser acarinhada, mesmo tendo em conta todas as questões formais.



Ser impossível, não o é, e a prova está no trabalho realizado em Porto Alegre e noutros locais da América Latina. Mas a repetição acrítica nunca foi boa solução! Então, o que fazer neste âmbito? Na minha opinião, escolhido pela população um programa eleitoral, é este que deve traduzir os anseios da população, é na sua construção que deve participar a população, tomando-o como o seu bem antes de o aprovar formalmente nas eleições. É nesta construção que devemos empenhar o nosso esforço, mas nunca deixando de ouvir a população depois! E de lhes por à consideração os projectos concretos daquilo que eles aprovaram!

2 comentários:

  1. Caro Hernani,

    Em geral concordo contigo. Penso que a tua reflexão é muito importante, e deveria conduzir-nos, em colectivo, a colocar em cima da mesa algumas questões sobre o que devemos entender, numa perspectiva revolucionária, como participação das pessoas, dos munícipes.

    Questões que penso que têm andado um pouco arredadas das nossas preocupações, facto que não deixo de compreender, porque se trata de questões neste momento essencialmente ideológicas, que precisam de muito amadurecimento a esse nível para poderem depois tornar-se práticas, e o nosso tempo é, desgraçadamente, quase todo ocupado com a necessidade de resposta à luta concreta do dia a dia, da sobrevivência em tantos e tantos casos. E tão difícil é esta luta com que todos nós nos confrontamos!

    Mas deixa-me lançar uma acha para discussão sobre um pequeno aspecto da tua reflexão (pequeno mas, penso, importante). Tenho o máximo respeito pelo trabalho desenvolvido em Porto Alegre e outras regiões do Brasil, no que respeita ao estímulo à participação activa dos cidadãos nas decisões locais. Aliás, tenho o privilégio de ter contactado directamente em Porto Alegre, ainda que de forma superficial, com a realidade do trabalho aí desenvolvido. Mas penso que há uma experiência muito mais aprofundada e muito mais rica do que a de Porto Alegre e do Brasil, que é a de Cuba. Os Comités de Defesa da Revolução de Cuba constituem um extraordinário repositório de experiência e ensinamento relativamente à efectiva participação popular nas decisões que a todos interessam, ao ponto de pessoalmente estar hoje convencido que os CDR são, efectivamente, os grandes pilares da vitória da Revolução Cubana.

    É uma nova e muito inovadora forma de entender a construção de uma sociedade com base na solidariedade, na entreajuda e na participação colectiva nas decisões que a todos dizem respeito. Merece aprofundamento, penso eu!

    Um abraço.
    João Geraldes

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  2. Concordo contigo em pleno. Mas se falo em Porto alegre, é porque "aqueles" que tanto falam no orçamento participativo vêm sempre com Porto Alegre. Cuba, para eles, nobres intelectuais, implica "sujar as mãos" na luta frontal contra o Imperialismo, construindo no dia-a-dia o Socialismo! Um abraço, Hernani

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