quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Mensagem da Pérsia para Obama - o Irão e a sua mais recente proposta ao "ocidente"

O artigo que vos apresento, da autoria  de M. K. Bhadrakumar, diplomata indiano jubilado, dá uma perspectiva radicalmente diversa da que os media do capital apresentam sobre o Irão e a questão nuclear. Os USA estão interessados em dominar todos os recursos naturais existentes na zona. Estão igualmente interessados em destruir a China, tal como ela é hoje, uma economia em forte crescimento, com imensos problemas a enfrentar, mas que recusa o antigo papel de subserviência ditada pelas potências coloniais deste mesmo "ocidente", atitude que o império não consegue "engolir", uma economia que tem vindo a criar melhores condições de vida  para esse mole imensa de milhões de chineses, que ainda hoje vivem em condições deploráveis.
A ver vamos se ganha o complexo industrial-militar que manda em Washington e na UE ou se reinará a diplomacia.
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Mais uma vez, aproxima-se outra primavera da diplomacia sobre a questão nuclear iraniana. Foi-se mais um duro inverno. A retórica já opera em modo de lucros cessantes.


A conclusão lógica do pacote de sanções do Conselho de Segurança da ONU, EUA e União Europeia, e da supermilitarização do Golfo Persa, terá de ser a aplicação das sanções mediante inspeção de navios iranianos. Essa é via de perigosas consequências, porque Teerão retaliará.

Simultaneamente, Teerão ofereceu uma escada aos EUA, para que desça do perigoso cavalo alto em que se montou. – Teerão anunciou que está disposto a discutir uma troca de combustível nuclear “sem precondições”. Washington fez o que devia fazer, e aceitou a abertura oferecida pelo Irão. As potências da Europa estão visivelmente aliviadas.

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Philip Crowley, pôs a bola em jogo na 4ª-feira, ao dizer que «Estamos, é claro, plenamente preparados para conversações com o Irão sobre detalhes de nossa proposta inicial envolvendo o reactor de pesquisas de Teerão (…) além de, vocês sabem… as questões mais amplas de tentar compreender plenamente a natureza do programa nuclear iraniano. Esperamos que haja mais reuniões nas próximas semanas, como as que houve em Outubro passado.»

A «proposta inicial» a que se referiu Crowley tem a ver com um plano para fornecer combustível para um reactor de pesquisa em Teerão, em troca de urânio baixo-enriquecido. O plano foi discutido em Genebra entre o Irão e «O sexteto do Irão» [ing. the «Iran Six»] – EUA, Grã-Bretanha, China, Rússia, França e Alemanha.

De repente, se ouvem bips em vários pontos da tela do radar diplomático. Já transpirou que houve confabulações sobre «reunião prospectiva» que envolverá a União Europeia e o Irão, representados por Catherine Ashton e Manouchehr Mottaki, respectivamente alta representante da UE e ministro das Relações Exteriores do Irão, dia 20 de julho, confabulações que aconteceram paralelas à Conferência Internacional sobre o Afeganistão.

Seis dias depois daquele encontro em Cabul, Teerão enviou comunicação à Agência Internacional de Energia Atômica, na qual sugere que o Irão estaria pronto para negociar detalhes da troca de 2.646 pounds (1.200 kg) de seu próprio urânio baixo-enriquecido (3%), por 265 pounds de urânio enriquecido a 20%. Outra vez, o ministro de Relações Exteriores da Rússia fez três declarações conciliatórias, entre a 3ª e a 5ª-feira, desdizendo claramente as declarações abrasivas dos meses anteriores em relação à questão nuclear iraniana.

Mais importante, o ministro das Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu, já revelou que Teerão garantiu a Ancara que suspenderá o enriquecimento de urânio a 20%, se se confirmar o acordo agora em discussão. Disse também que Mottaki transmitira a importante mensagem durante visita à Turquia, semana passada; dissera que, se o acordo com Teerão for assinado e o Irão passar a receber o urânio de que necessita para suas atividades de pesquisa, «nesse caso eles [o Irão] não continuarão a enriquecer o urânio a 20%» –, palavras de Davutoglu.

A grande questão, hoje, não é quando recomeçarão as discussões entre EUA e Irão, mas o que será discutido. Ashton, da União Europeia, ao sugerir que as conversações sejam iniciadas o mais brevemente possível, manifestou a opinião de que se concentrem exclusivamente no programa nuclear iraniano. Mas a agenda tem de ser mais ampla e deve incluir questões de segurança que subjazem ao impasse EUA-Irão.

Como disse Suzanne Dimaggio, diretora de estudos políticos do grupo Asia Society, à BBC, semana passada, há muitos outros temas a discutir. «Os iranianos repetem que vivem em área difícil, cercados por Estados nucleares: Rússia, Paquistão e Israel. E têm duas grandes guerras junto às fronteiras (…) Que tipo de atmosfera de segurança os iranianos querem ver no Iraque e no Afeganistão? Quais as possibilidades de se construir algum tipo de acordo de cooperação que vise à estabilização daqueles países?»

Os EUA, sobretudo, devem buscar engajar o Irão, ativamente, na questão do Afeganistão.

Vê-se muito claramente, hoje – e é o ponto mais importante dos documentos que a página WikiLeaks divulgou e expôs no domingo – que os EUA enredaram-se terrivelmente no Afeganistão porque se tornaram espantosamente muito dependentes dos militares paquistaneses. E boa parte da tolice de deixar-se prender em posição de dependência do Paquistão, no caso dos EUA, pode ser explicada pelas limitações da estratégia para o Afeganistão pensada pelo governo Obama e limitada, essa estratégia, pelo impasse EUA-Irão.

Qualquer correção séria de rumo na questão do Afeganistão, pelo governo Obama, obriga a engajar o Irão. Negociações amplas não serão fáceis. Como algum compromisso entre EUA e Irão poderia mudar efetivamente o jogo no Afeganistão, considerada a estratégia AfPak de Obama?

Primeiro, se a história ensina alguma coisa, deve-se lembrar que, nas semanas imediatamente depois do 9/11, Teerão manifestou inequívoca disposição para trabalhar com Washington durante a invasão pelos EUA em 2001. Nesse caso, Teerão esperava que alguma empreitada de cooperação com Washington contribuiria para moderar a hostilidade contra o regime em Teerão. Se o projeto limitado de curto prazo que só sobreviveu até a Conferência de Bonn em dezembro de 2001 não chegou a dar os frutos que Teerão esperava, a culpa não é dos iranianos, mas, exclusivamente, da miopia do governo Bush.

Segundo, que as preocupações de Irão com os Talibã são antigas e, de fato, são idênticas às do governo Obama. O Irão teme absolutamente qualquer possibilidade de os guerrilheiros Talibã voltarem ao comando da política no Afeganistão. O Irão está, mesmo, um passo adiante na compreensão e avaliação do processo, porque vê a ideologia dos Talibãs Wahhabistas também como perniciosa. Para Teerão, a chamada «rede Haqqani» [ver, sobre isso, «O Paquistão e suas batalhas», 8/7/2010, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2010/07/o-paquistao-e-suas-batalhas.html] é um peão, para projetar no Afeganistão a influência do Paquistão e da Arábia Saudita. Teerão teme, tanto quanto Washington, que, no instante em que os soldados dos EUA deixem Cabul, os Talibãs tomem o poder.

Em terceiro lugar, o Irão tem total e absoluto compromisso com apagar da região todos os traços, vestigiais que sejam, da al-Qaeda.

Quarto, há ponto de confluência entre as posições do Irão e dos EUA quanto à «reintegração» dos guerrilheiros não ligados à al-Qaeda.

Quinto, nem o Irão nem os EUA são intransigentes quanto a um arranjo, com partilha do poder, em Cabul, que manifeste a diversidade social do país.

Sexto, a abordagem de Teerão, que visa a desenvolver várias alianças no Afeganistão, e o fato de que Teerão sabe que necessita de equilíbrio regional, item indispensável em qualquer acerto com o Afeganistão, pode ser muito útil para o governo Obama.

A estratégia de «reconciliação» de Karzai já está gerando efeitos nefastos entre as comunidades não-pashtuns, que também são aliadas afegãs do Irão. O Irão pode vir a ser uma ponte útil para conter esses grupos, enquanto, ao mesmo tempo, os auxilia na luta contra os Talibã renascidos. Em resumo, o Irão pode ser de grande ajuda na estratégia dos EUA para reduzir o risco de nova guerra civil no Afeganistão.

Teerão vê que qualquer ocupação estrangeira gera ressentimentos entre parcelas consideráveis da população afegã; e que esses ressentimentos operam a favor dos Talibã. Assim sendo, então, pode-se dizer que Teerão e Washington talvez tenham interesses comuns também no desenvolvimento de uma «estratégia de retirada» em prazo determinado.

Em resumo, há enorme espaço para estratégias norte-americanas e iranianas complementares. O esforço, nas negociações vindouras, deve-se concentrar em sanar os déficits de confiança que separam os dois lados. Teerão vê Washington como hostil aos seus interesses e, portanto, fará o máximo que puder para garantir que os soldados que hoje estão no Afeganistão não venham a atacar o Irão, trabalhar para desestabilizar seu governo ou seu sistema político seja mediante operações clandestinas seja reforçando os rivais regionais do Irão.

Desnecessário dizer que, depois de um início promissor, o governo Obama não faz outra coisa além de sistematicamente desdizer as próprias ideias iniciais sobre o Irão. Mas, nas atuais circunstâncias, os EUA terão de andar o metro-e-meio que falta andarem para persuadir o Irão a cooperar mais uma vez com os EUA no Afeganistão. Não há outra via, além de relembrar as antigas aflições de Teerão em relação aos Talibã e as preocupações com o equilíbrio do poder regional; e de reposicionar as intenções dos EUA em relação ao Irão.

Na primeira reação aos documentos divulgados pela página WikiLeaks, Obama disse que «O fato é que esses documentos não revelam coisa alguma que já não fosse conhecida da opinião pública no debate nacional sobre o Afeganistão».

O problema é que, não raras vezes, são as opiniões que interessam ao modo de ver a coisa, mais que algum fato. Além do mais, a guerra do Afeganistão não é tema de debate só nos EUA, nem de interesse só dos norte-americanos; a guerra também afeta o povo afegão.

O povo afegão extraiu dos documentos vazados pela página WikiLeaks, para dizer o mínimo, impressão muito salgada. Verdade é que os afegãos logo começarão a rolar de rir, ao perceber o quanto aquela tão arrogante superpotência foi completamente «conversada» pelos espertíssimos generais paquistaneses. Seria muito útil que os figurões reunidos por Obama na Casa Branca ouvissem os ecos das gargalhadas que já começam a ecoar pelos vales e montanhas do Hindu Kush.

A credibilidade dos EUA foi gravemente comprometida e será muito difícil recompô-la, sobretudo no Hindu Kush. Dito numa linha, objetivamente: é chegada a hora de os EUA aceitarem a grande barganha que o Irão está propondo, porque os EUA estão muito próximos – perigosamente próximos demais – do fracasso estratégico no Afeganistão.



* M. K. Bhadrakumar é diplomata jubilado e colaborador assíduo do Ásia Times

Este texto foi publicado em

www.atimes.com/atimes/South_Asia/LG31Df01.html

Tradução de Catia Fittipaldi

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