Não é minha pretensão proceder a uma qualquer análise sobre a forma técnica de combate aos incêndios, leva a cabo por bombeiros e demais "participantes". ao contrário, penso ser urgente falar sobre a floresta que temos, sobre o abandono do campo no interior, sobre a forma de prevenção, sobre os diversos e sucessivos modelos criados por cada novo ministro da Agricultura no que aos ex Serviços Florestais diz respeito.
Quem anda pelo País fora apercebe-se de imediato do quase generalizado abandono em que as terras se encontram. A antiga agricultura de sobrevivência desapareceu na prática - uma vida extremamente dura para um nível de vida no limiar da sobrevivência, não atrai nem pode atrair ninguém, tendo como consequências a não existência de necessidade de limpar matas, seja para obter fontes de energia, seja para fazer leitos de gado e, posteriormente com a sua remoção, estrume para as terras. Este modo de vida pode-se dizer que desapareceu, sendo hoje totalmente marginal.
A ausência de políticas governamentais que favorecessem as produções locais, criando condições para que produtores se auto-organizassem e criassem circuitos de distribuição que lhes permitissem aumentar os seus rendimentos foi e é total. As "regras" comunitárias a que dirigentes governamentais se curvaram, levando apenas ao apoio dos grandes produtores teve essa consequência trágica que é a de sermos hoje um País sem independência alimentar.
De facto, com tantas regras, a maior parte das vezes aplicadas por burocratas que da vida de um agricultor nada sabiam, nada sabem e provavelmente nada saberão, levou ao brutal encarecimento dos factores endógenos de produção, provocando que só quem nada mais tem onde se agarrar é que continua a trabalhar na agricultura. Para além dos "semeadores de girassol", que têm fartas colheitas de jipes!
Não há aqui qualquer saudade pelos "bons tempos do passado", em que a maior parte da população portuguesa apenas sobrevivia com o indispensável para não morrer de fome. Trata-se antes de dizer abertamente que destruíram um modelo para-feudal por coisa nenhuma, deixando toda essa mole imensa de pessoas entregues ao "deus-dará". Nenhum conceito, nenhuma política, fosse e seja ela de curto, médio ou longo prazo, que não a da destruição pura e dura da agricultura existente.
Quanto às florestas, quantos os ensaios de transformação dos antigos Serviços Florestais? Tantos quantos os governos. A destruição da Guarda Florestal, a morte por asfixia financeira dos serviços estatais que cuidavam das florestas, a não criação de políticas que incentivassem a plantação de espécies e de formas de plantação, que ajudassem ao combate aos fogos, uma total ausência de qualquer pensamento sério sobre a floresta em Portugal, qual o modelo de gestão, que formas de vigilância, etc., etc. Eucaliptais imensos proliferaram e proliferam, unindo o desejo dos conglomerados do fabrico da pasta de papel a esta nossa tão típica forma de ser, de querer "sacar" o mais depressa possível os montantes investidos. Fala-se muito em limpar as matas mas quem muito fala quase nunca sabe do que está a falar. Os custos da limpeza das matas são enormes, nunca são cobertos pelo retorno das plantações. Apoios técnicos, uma das grandes funções que o Estado devia prestar aos proprietários, não existe. Cada um por sí, tão á portuguesa como convém aos madeireiros.
Quando era criança, vivia numa aldeia junto à Serra da Cabreira. Sempre me habituei a ouvir os carros de bois carregados com mato para as cortes do gado, com carqueja para atear o fogo nas lareiras. Sempre me habituei a saber que no Talefe, no ponto mais alto da referida Serra, vigiavam homens, sempre em busca do malfado fumo e/ou fogo. E tenho bem presente os guardas florestais, com a sua última farda acastanhada, que vigiavam igualmente a serra. Hoje, de carros de bois, não se ouve o seu chiar típico, nem do seu substituto tractor, guardas florestais foram extintos, vigias no Talefe, penso que só no Verão.
Como é que não hão-de arder os nossos montes e serras? É claro que sempre arderam, que havia fogos terríveis, pois no passado nem todas as matas eram limpas. Mas as entregues ao estado, essas eram um mimo de conservação, sobretudo face ao que hoje se passa. Os serviços florestais, com esse nome ou outro qualquer, têm um importantíssimo papel a desempenhar. Devem ser dotados de capacidade técnica, de meios materiais e humanos e terem os necessários recursos financeiros. E aos proprietários, deve ser exigido que planeiem, em conjugação com tais serviços estatais, a floresta, a sua floresta, sob pena de a perderem para o Estado sem direito a qualquer indemnização. E sem que este a possa vir a alienar, para mais eucaliptais ou similares.
É possível diminuir o drama dos incêndios florestais? Claro que é! Mas para tal, é preciso terem-se ideias claras, ser-se capaz de as colocar em confronto aberto, ter-se capacidade de ouvir, de ser-se humilde para aprender também e de não ter receio em experimentar. O caminho perdido poderá então ser ganho e, naturalmente, ultrapassados os melhores resultados do passado!
HMagalhães
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